sábado, 20 de junho de 2009

A Relação de Paulo com as Mulheres.

Por muito tempo, alguns textos das cartas de Paulo, tais como o de I Coríntio 14:34 e 35, me incomodaram bastante, pois me sentia ofendida, creio que esta seja a melhor palavra para definir meu estado. Não conseguia compreender como o apóstolo Paulo poderia ser tão duro com as mulheres neste texto... Ficava indignada e intrigada, pois os discursos que ouvia até mesmo por parte de alguns na igreja eram sempre machistas, que chegavam a usar estes textos para impor decisões, para proibir que mulheres tivessem certo destaque em suas comunidades de fé, e tinham ainda aqueles famosos comentários acerca do lugar das mulheres. Confesso que quando cheguei ao seminário ainda tinha certo constrangimento ao ler estes textos... Lembro-me que alguns amigos e colegas de curso me diziam que Paulo era um revolucionário, que lutava pelos direitos femininos... Às vezes eu até tentava me convencer disso, mas aí, entravam alguns discursos feministas que “acabavam” com a reputação de Paulo, alguns textos que lia trazia a imagem de Paulo como um anti-mulher... E por causa das inquietações (ficava me perguntando como poderia Paulo ser um revolucionário e MANDAR as MULHERES ficarem CALADAS? Que tipo de “REVOLUÇÃO” era esta?), angústias e até mesmo preconceitos que eu já havia adquirido ao longo dos anos, não conseguia desmistificar esta imagem, digamos que, arrogante deste apóstolo.
Mas nosso objetivo como pessoa deve ser o de sempre melhorar, crescer, e entendo que para que isto ocorra, nós precisamos estar sempre abertos a novos conhecimentos, e particularmente, posso dizer hoje que aquela imagem “arrogante” do apóstolo Paulo está sendo desconstruída com as leituras que tenho feito para a realização deste trabalho.
Carlos Mesters (1) mostra em seu livro (Paulo Apóstolo: Um trabalhador que anuncia o Evangelho- 2008) que a relação de Paulo com as mulheres é de um profundo respeito pelo trabalho exercido por elas nas comunidades que fundou e ainda agradece e elogia seus esforços.
É bem verdade que alguns dos textos de Paulo trazem principalmente para nós, mulheres, uma dificuldade por nos colocar em uma posição inferior aos homens, mas, precisamos ler estes textos “pensando com a cabeça” daquela época. A cultura e a consciência que temos hoje não são as mesmas daquele tempo quando se fala da participação da mulher nas comunidades, e se ainda hoje nós sofremos preconceitos a este respeito, naquela época era tudo ainda mais difícil. E olhando por este lado, estes mesmos textos de Paulo que é para muitas mulheres, assim como foi pra mim também, um exemplo de machismo, opressão, e retrocesso, pode muito bem ser considerado como um avanço para as comunidades daquela época. Carlos Mesters também nos esclarece que estes textos na maioria das vezes querem resolver problemas de determinadas comunidades, portanto, não devem ser vistos como “leis Universais”.
Com relação a outros textos de Paulo que nos causam dificuldade para lê-las como os de I Cor: 11:2-16 Ef. 5: 21-24 e I Tm. 2:9-15 estes também devem ser lidos com mais cautela, para que novamente nós não sejamos discriminadas; estes também são textos que para uma melhor compreensão nós precisamos verificar o contexto em que estão inseridos. Na verdade, Paulo não é contra as mulheres receberem instruções ou falarem, ele diz que as mulheres devem receber instrução sim, podem ser líderes de comunidades a até profetizarem, o que é, com certeza, um avanço para a época, e como prova disto, nós temos o texto de Romanos 16, onde Paulo traz uma lista com vários nomes de mulheres que foram suas cooperadoras na missão de evangelizar.

“... Paulo fala com toda naturalidade de mulheres que são diaconisa, colaboradoras em Jesus Cristo, ou apóstola. Títulos e funções importantes na vida das comunidades! Elas são apresentadas como alguém que se afadigam pelos outros nas comunidades. As comunidades e o próprio Paulo devem muito a algumas delas, pois elas o ajudaram e arriscaram a própria vida por ele.” (pág. 98)

Para Fiorenza (2), Paulo é ambíguo. Ora ele estava a favor da mulher, ora ele era rígido com elas. Na verdade, era como se tivesse um primeiro Paulo que era, digamos, mais a favor das mulheres, mas com o passar do tempo, esse Paulo foi se “transformando” e sendo mais duro com elas. Fiorenza, juntamente com outras exegetas feministas, afirmam que mesmo não tendo sido de Paulo o texto em que ele manda que as mulheres fiquem caladas, é de uma escola Paulina, ou seja, de alguma forma Paulo contribuiu com aquela mentalidade.
Marga J. Stroher (“A Igreja na Casa Delas”) e Luise Schottroff (Exegese Feminista) vão dizer que o texto de Romanos 16 é a chave de leitura para a história das mulheres nas primeiras comunidades cristãs. Quando lemos este texto, nós podemos perceber claramente que o apóstolo Paulo faz agradecimentos a dez mulheres, sendo que cinco delas aparecem sem a presença de uma figura masculina. Estas dez mulheres são diaconisas, apóstolas, missionárias e cooperadoras. Paulo começa citando Febe, que era diaconisa da igreja em Cesaréia, por ter um papel de destaque na comunidade em que vivia, ela recebeu dois títulos muito importantes Diakonos, que significa “servo” e Prostatis, que foi usado uma única vez em todo o Novo Testamento e é traduzido por “patrona” ou “protetora”. é bom observarmos que Febe recebeu o título de Diakonos que é masculino e não o feminino que seria Diakone, o que comprova que Febe tinha as mesmas funções que os homens. Logo depois ele cita Priscila e seu marido Áquila, ela era independente de Paulo e foi uma missionária e cooperadora na missão cristã. O fato de o nome dela aparecer sempre antes do nome de seu marido Áquila, mostra a sua importância na comunidade. Júnia foi a única mulher a receber o título de Apóstola no Novo Testamento, ela foi parceira missionária de Andrônico, e se tornaram cristãos antes mesmo de Paulo. Por algum tempo tentaram passar a idéia de Júnia era na verdade um homem, mas não conseguiram sustentar esta idéia por muito tempo. Por certo, Júnia foi uma mulher muito sábia para ter recebido o título de apóstola. Como missionárias independentes Paulo cita Maria, Trifena, Trifosa e Pérside. Estes nomes não vêm acompanhados de nenhum outro nome masculino. Segundo Paulo, elas foram mulheres que labutaram no Senhor, a palavra labutar era usada por Paulo para caracterizar a tarefa de ensinar e evangelizar, ou seja, eram mulheres que ensinavam o povo acerca de Deus. Eram mulheres dignas de respeito e consideração. O texto ainda traz o nome de Júlia, a irmã de Nereu e a mãe de Rufo, estas duas últimas não têm seus nomes citados, mas o fato de Paulo fazer menção delas nos faz colocá-las ao lado de outras mulheres que participaram do movimento cristão primitivo.
Este texto de Romanos 16 é muito importante para nós hoje porque nos faz perceber uma nova perspectiva de vivência religiosa nos primórdios do cristianismo. As leituras sobre a “pesquisa histórico-feminista deve livrar o apóstolo Paulo de uma leitura bíblica patriarcal.
Como nós sabemos, antigamente, os estudos de filosofia e retórica eram reservados aos homens, com algumas exceções femininas. Na maioria das vezes, o papel de falar e ensinar eram destinados aos homens, inclusive nas sinagogas, mas algumas mulheres ainda conseguiam desempenhar este papel, o que não era uma norma para aquele tempo. Nos vários textos lidos, pude perceber que muito embora os papéis das mulheres variassem de região para região, no que diz respeito às mulheres, Paulo, esta mais para um autor progressista do que chauvinista para o seu tempo. Até mesmo quando ele diz que a mulher deve profetizar com a cabeça coberta, pressupõe-se que existam profetizas, tudo o que Paulo faz é, seguindo uma tradição do Antigo Testamento e outros elementos do cristianismo primitivo, ou seja, exigir que as mesmas usem véu. É bom percebermos também, como Carlos Mesters mesmo fala que as cartas de Paulo são escritas para determinadas comunidades a fim de ajudar a resolver problemas específicos, não podendo ser usado e entendido de uma forma geral como norma para todas as comunidades e situações. Pude perceber também em minhas leituras que alguns autores bem conceituados também entendem Paulo como uma figura progressista. Na questão da submissão, Paulo primeiro convoca a todos que se submetam uns aos outros, os deveres devem ser entendidos como recíprocos, e os deveres aos quais, Paulo se refere devem ser entendidos com o sentido que tinham naquela cultura. Paulo realmente apela às esposas que se submetam em certo sentido aos seus maridos, talvez para manter a ordem, mas tudo deve ser feito no temor do Senhor. Paulo, vivendo em um contexto totalmente patriarcal, abre espaço para as mulheres, elas, que antes não podiam sequer entrar nas sinagogas, agora podem entrar, e seus maridos devem ensiná-las em casa, para manter a ordem nos cultos, se esta for a vontade delas; Como todos sabemos, as mudanças não acontecem de forma rápida, elas levam um determinado tempo para serem aceitas, o mesmo deve ter acontecido naquele tempo com Paulo, suponho que não deve ter sido fácil para ele abrir este espaço para aquelas mulheres, quantas pessoas devem ter se levantado contra ele, mas ele não voltou atrás, e nem deixou de contar com a ajuda feminina em sua missão. Percebo que Paulo foi o mais ativo promotor do ministério das mulheres no Novo Testamento. De fato Lídia, Evódia e Síntique tiveram um papel ativo na evangelização de Filipos, e Paulo situa a participação delas precisamente no mesmo nível que a dos apóstolos homens. Ele reconhece Febe como uma líder da igreja de Cêncris, o porto mais ao leste de Corinto. Priscila liderava uma igreja doméstica com seu esposo, primeiro em Éfeso e depois em Roma. Ápia era uma integrante do comitê de três pessoas que dirigiam a igreja de Colossos. Em Corinto, Paulo assumiu como dado que as mulheres, assim como os homens, podem orar e profetizar nas assembléias litúrgicas. A profecia para Paulo é um dom de liderança, e a oração articula publicamente as necessidades da comunidade. São papéis de liderança.
De acordo com Gênesis 2, o homem foi criado antes da mulher. Os judeus usavam essa diferença cronológica para provar que as mulheres eram inferiores. Paulo refuta esse argumento indicando que, de acordo com a vontade de Deus, todo homem hoje tem uma mãe. Por isso, se o argumento cronológico é invocado, isso prova que o homem é inferior. Em 1 Coríntios 11:11, Paulo insiste que a mulher é totalmente igual ao homem na Igreja.
Com relação ao texto de 1 Cor 14, 33b-35, há ainda alguns estudiosos que defendem que essa seção não tenha sido escrita por Paulo, uma vez que em momento algum nos escritos aceitos como autênticos paulinos, ele deixa de falar da presença de mulheres na proclamação da Boa Nova, mulheres que muitas vezes já lideravam nas igrejas domésticas das comunidades. A presença feminina é menos comentada nas cartas consideradas deuteropaulinas, ou seja, as pastorais, mas isso não é só com as mulheres, também se percebe uma diminuição nas menções sobre as crianças, escravos, pessoas doentes e aqueles que viviam à margem da sociedade por alguma discriminação.
Enquanto vivo, Jesus pregou o amor, não somente pregou, mas viveu, e amar é atitude de incluir, e não marginalizar, oprimir, como infelizmente ainda vemos acontecer em nossos dias. Vemos muitos lideres fazendo leituras extremamente fundamentalistas e machistas para fundamentarem seus ensinos.
Vivendo em um tempo em que todos eram machistas, patriarcais, Paulo usa uma linguagem muito feminina em suas cartas (com dores de parto, filhinhos...) para descrever seu próprio ministério, o que não era comum para aquela época. Ele deu uma abertura para que as mulheres pudessem ter acesso às sinagogas, mesmo devendo ficar caladas, pois antes as mulheres ficavam em casa e somente seus maridos iam pras sinagogas.
Como a graça está baseada na natureza, não surpreende que as mulheres apareçam tão freqüentemente entre os líderes das igrejas paulinas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. MESTERS, Carlos. Paulo Apóstolo um trabalhador que anuncia o Evangelho. 9ªed. São Paulo: Paulus, 1991.
2. FIORENZA, Elisabeth Schussler, 1939-, As origens cristãs a partir da mulher: Uma nova hermenêutica/ São Paulo: Edições Paulinas, 1992.
3. STROHER, Marga J. A Igreja na Casa Delas; Ensaios e Monografias -12, IEPG, 1996.
4. SCHOTTROFF, Luise. Exegese Feminista: Resultados de pesquisas bíblicas na perspectiva de mulheres/ Luise Schottroff, Sílvia Schroer e Marie- Theres Wacker; tradução de Monika Ottermann. São Leopoldo: Sinodal/EST; CEBI; São Paulo: ASTE 2008.
5. Dicionário de Paulo e suas Cartas; Edições Loyola; Paulus; Vida Nova.


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NOTAS:
1- Carlos Mesters, formou-se em Teologia e Ciências Bíblicas em Roma e na Escola Bíblica de Jerusalém. Foi professor no Instituto Central de Teologia e Filosofia da Universidade de Belo Horizonte. Nasceu na Holanda, mas há muitos anos vive no Brasil, totalmente adaptado a nossa mentalidade e nosso estilo. Tem uma linguagem simples que faz com que ele seja compreendido por todos facilmente.

2- Elisabeth Schussler Fiorenza é professora de Novo Testamento e de Teologia na Universidade de Notre Dame. Teóloga feminista alemã, residente nos EUA, autora de diversos livros que tratam sobre as funções das mulheres na igreja e a teologia.

Um comentário:

  1. Belo texto marcinha!
    Valeu a imersão no tema, o interesse pessoal pela temática proporcionou uma boa dedicação e esforço na pesquisa. Parabéns...
    Que bom que a pesquisa exegética e o estudo teológico ilumina a nossa caminhada e nos ajuda a sermos melhores pessoas...

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